Silencio! Vai-se escutar

O silêncio tem uma configuração particular quando estamos sós. Na solidão o silêncio é ruidoso. Não será sempre? Em todo o caso, nesses momentos o «som» interno aumenta e atinge um volume que se sobrepõe a qualquer barulho exterior, a não ser que um destes últimos colha o nosso interesse ou nos salve de um barulho interno desconfortável.

O silêncio na relação com um outro ganha outra configuração, outra complexidade e, por isso, outra riqueza. Escutar não é apenas ouvir e decifrar o que se recebe mas, precisamente porque se decifra, porque se interpreta, implica, simultaneamente, escutar-se a si próprio. A escuta é, portanto, um fenómeno de duas vias com dois sentidos: implica a escuta do outro e a «escuta da escuta».

Por outro lado, quem é escutado, se quem escuta o sabe fazer, tem o privilégio de não ficar entregue ao vazio. Porque mesmo aquele silêncio que parece confrangedor, se é provocado por quem escuta, não é desprovido de conteúdo; não é silencioso. Pode-se, inclusive, arriscar dizer que entre duas pessoas o silêncio nunca é mudo e tem sempre uma mensagem a transmitir. Assim, quem é escutado entrega-se ao fluxo das suas ideias e afectos, dimensões inseparáveis, e aí, depois de muita prática de ser bem escutado, aumentam as probabilidades de encontrar uma verdade. Tanto é dito em momentos de silêncio. Que bom pode ser um silêncio partilhado.

E o que é isso de escutar bem? Antes de mais, a arte de bem escutar implica uma qualidade ética, como nos diz Gonçalo M. Tavares. Um bom ouvinte demonstra, também através da sua forma particular de escutar, respeito, interesse e curiosidade genuínos pelo legítimo outro, que se dispõe a ser escutado. Um bom ouvinte apenas é passivo na aparência; procura activamente calar-se para, antes de tudo, poder ouvir os seus juízos, preconceitos e afectos. Não apenas os que já traz consigo mas também aqueles que nascem ou acordam da interacção. Só depois de os conhecer e de os questionar estará em condições para poder decifrar o que vem de fora de si. Pois nada do que vem de fora aí permanece uma vez que entra. Pode mesmo dizer-se que nos tornamos donos, que nos apropriamos, de todas as mensagens que, na sua origem, não nos pertenciam.

Portanto, como escrevi já algures, em relação aos outros, não é possível não escutar, apenas é possível não nos interessarmos. Quanto a nós próprios, aí , essa declaração já não terá validade.

 
João Sevilhano

Partner, Strategy & Innovation @ Way Beyond.

https://joaosevilhano.medium.com/
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