Sobre a escuta

Porque ouvir os outros (e os factos) não é uma capacidade fisiológica, mas sim ética — e toda a pessoa decente o sabe.”
— Gonçalo M. Tavares in Revista Visão (30 de Maio de 2013)

A escuta é uma capacidade a que, por inerência dos caminhos profissionais que escolhi, presto particular atenção. Mais do que do ponto vista do estudo, da investigação e da transmissão do conhecimento que tenho vindo a adquirir, faço um consciente e voluntário investimento no desenvolvimento dessa capacidade em mim.

A associação de ideias leva-me até à “velha” questão do que é inato e do que é adquirido; se a escuta é algo que se aprende ou é uma capacidade que nasce com a pessoa.

Recorrendo ao que tem sido a minha experiência, considero que a resposta poderá estar numa simples alteração gramatical e numa igualmente simples adaptação: a alteração da conjunção disjuntiva “ou” pela conjunção copulativa “e”. Portanto, a escuta é algo que se aprende é uma capacidade cujo desenvolvimento depende de várias circunstâncias e contextos.

Mais facilmente se consegue escutar bem se tivermos tido a experiência de ter sido bem escutados. Há, portanto aqui um papel importante que resulta da interacção com os outros, nomeadamente enquanto filhos na relação com os pais.

Por outro lado, ocorreu-me recentemente a seguinte ideia:

Alguém com plenas capacidades auditivas, em verdade, não pode dizer que não é capaz de escutar. Apenas poderá dizer que não se interessou.

Por interesse entenda-se: despertar da atenção, capacidade de processar e interpretar o que se recebeu. Não me refiro apenas à capacidade cognitiva de processamento de informação. Aqui considero também a componente afectiva que, em conjugação permanente com a capacidade cognitiva, faz com o que determinada informação mova o nosso interesse a ponto de prestarmos atenção.

Há ainda uma dimensão ética na escuta. Dimensão essa que o Gonçalo M. Tavares captura de forma brilhante numa crónica da Revista Visão com o título: “Eduardo Lourenço, parabéns!”.

A técnica operacional da escuta é relativamente fácil de aprender e de aplicar — calar-se e estar atento aos sons que o interlocutor emite — mas a arte de escutar está para lá desta dimensão. Inclui factores — o incondicional respeito pelo outro, o genuíno interesse pelo que está a ser dito e pela pessoa que o diz, a atitude socrática de não presumir que se sabe o que o outro está a dizer, etc. — incomensuravelmente mais complexos, mas, ainda assim, passíveis de serem aprendidos, com mais ou menos esforço, dependendo do quão bem possamos ter sido escutados no passado e da forma como desejamos escutar e ser escutados no presente e no futuro.

Portanto, tendo já designado a escuta como capacidade e como arte, e com a ajuda do Gonçalo M. Tavares, do Roland Barthes e do Rafael Echeverría, partilho a ideia de que a escuta é, sobretudo, uma forma de estar e de ser.

 
João Sevilhano

Partner, Strategy & Innovation @ Way Beyond.

https://joaosevilhano.medium.com/
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