“Chamar os bois pelos nomes” – Parte 2: De banalidades a barbaridades
Escrevi em tempos um outro texto sobre este mesmo tema. O facto de ter dado o mesmo título escusar-me-ia de escrever a primeira frase. Ainda assim, a bem da clareza, da transparência e dos links internos (dizem que favorece a descoberta dos textos novos), desta forma possibilito o acesso a um pouco mais de contexto a quem tome contacto com esta perspectiva pela primeira vez.
Não volto ao tema por julgar que é necessariamente importante. Tampouco será a garantia de um certo número de clicks e de leituras à publicação que aloja este escrito, que me faz voltar. Volto a este assunto porque lhe prometi uma continuidade, embora não siga aqui o sentido que tinha indicado. Volto porque creio que a situação está pior e, mais verdade do que tudo isto, porque me continua a irritar, a indignar e a pasmar, profunda e intensamente.
Custa-me cada vez mais viver num mundo que valoriza o magnetismo daqueles e daquelas que encantam pela sua mediocridade ideológica, sem qualquer respeito pela verdade. O mesmo mundo onde o estatuto, ganho muitas vezes sabe-se lá como, ilumina o caminho até palcos com grande projecção. Pena que não alumie da mesma forma o percurso que vai além de uma superficialidade sensacionalista. Palcos esses, tanto físicos como digitais, onde muitos fingem que escutam através de telemóveis erguidos em punhos e braços esticados, que apenas pretendem repetir nas redes conteúdos que não chegam a ser escrutinados pelo senso nem pela sensibilidade. O mesmo mundo onde quem fala dessa forma e nesses contextos se esforça por dizer o que os outros querem ouvir, da forma como gostam ou toleram fazê-lo; onde os oradores julgam saber o que os outros precisam de escutar. Num mundo onde as mensagens são manipuladas com o intuito único de agradar e de entusiasmar, como se pode aprender a escutar?
Neste mundo onde os extremos estão cada vez mais próximos a distância entre as pessoas parece estar a aumentar. Talvez seja porque cada um busca obsessivamente a sua autenticidade, a mando daqueles que fazem do seu propósito de vida inspirar e motivar os outros. E, mais, quem parte nessa descoberta exige que os outros respeitem o seu achado. Muitas vezes a custo da elegância e do respeito. “Não gostas? Azar. Isto sou eu, autêntico/a.”
Pois bem, os extremos e o fundamentalismo não nos tornam melhores pessoas. Pelo contrário, quem segue essa via corre o sério risco de se tornar numa besta. Quando de forma constante apelam à descoberta da tal autenticidade, usando argumentos extremistas, fundamentalistas e sensacionalistas, fundamentados apenas na experiência pessoal e numa intuição de origem mágica, fica claro o apelo a nos tornarmos em autênticas bestas.
A troca de ideias escasseia. Não interessa promover a convergência, a acomodação, a integração e o ajuste de perspectivas diferentes. Imperam as ordens, que são ditas sob a forma de tuteio com a intenção de simular proximidade e afastar, sem sucesso, a presunção. Assim se mascaram as ordens de inspiração.
Dizer banalidades pseudo-profundas custa menos do que uma reflexão séria e profunda. Dizer trivialidades que agradem aos outros é fácil, já que muitos de nós andamos ávidos de sentido. Dizer banalidades que sejam ouvidas, quando tantos e tantas andam a dizê-las, não é, porém, tão fácil quanto isso. Como se distingue uma banalidade de outra? Fará sentido distinguir qualidade quando nos referimos a banalidades? Não sei. Acredito que não. Será uma questão de tamanho, do referido estatuto e do palco, quero eu dizer.
Mas há outra forma: aumentar o volume, dando um toque ainda mais pessoal e ainda mais “autêntico”; condimentar com uma boa dose de convicção, de certeza, até; extremar tanto a forma como o conteúdo. Há que entusiasmar, afinal. Este mecanismo só é possível de ser aplicado escusando ainda mais o crivo do senso, da reflexão, do contraditório e do árduo trabalho que é conhecer o que outros antes pensaram, disseram e escreveram sobre dado assunto. Quando a uma banalidade se juntam estes condimentos cria-se uma barbaridade. E tanta barbaridade anda para aí a ser dita.