Um lugar* chamado Way Beyond ou O que eu andei para aqui chegar

Desde que me lembro de (ser convidada a) pensar no futuro das coisas e das criaturas, rondaria a maioridade, mas andava, como ando ainda, longe das maiorias, a resposta, creio que nunca verbalizada, mas vagueando-me pelo pensamento, sempre que era atingida pela curiosidade alheia, em forma de “o que queres ser quando fores grande?” era, sem pestanejar, “muitas coisas!”.

Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando-lhe algo que fazemos.
— Paulo Freire

Alguns anos mais tarde, por altura de começar a tomar decisões sérias sobre caminhos de vida, profissionais e não só, dei por mim a sentir-me antecipadamente feliz com o “refinamento” do meu retorquir, que passou a ser, nessa altura já saltando da minha cabeça para algumas, escassas, conversas: “quero fazer coisas bonitas que mudem a vida das pessoas”.

Acabei por percorrer diversos caminhos, ao longo dos quais aprendi muito com as coisas bonitas que os outros me foram dando a respirar. E acredito que uma mão cheia de gente terá recebido de mim beleza e importância no agir, que algo terá semeado nos seus dias.

Em dado momento do meu já longo périplo, o meu próprio desejo de “mudar de vida” começou a revelar-se, devagarinho, por vezes, talvez, sem eu lhe dar a devida atenção; penso que a primeira vez que o segredei ao meu ouvido terá acontecido, curiosamente ou não, após a minha vinda para Coimbra, aliás, o meu regresso à cidade onde nasci, 27 anos após a primeira vez que levantei âncora do Mondego e levei a minha biografia a navegar noutras margens.

The ability to perceive or think differently is more important than the knowledge gained.
— David Bohm

Sentia que a minha existência começava a esvaziar-se de mim mesma e o regresso às origens injectou-me uma poderosa e irreprimível urgência em fazer alguma coisa, para não deixar de ser quem sou.

Desejei muito parar. Descansar. Parar para descansar. E quieta, em repouso de alma e corpo, respirar o mundo lá fora e cá dentro e pensar, pensar muito, pensar bem, no que daí em diante gostaria e poderia fazer com o meu património interior. Desejei suspender o mundo e, com vagar, fazer a escuta de mim mesma e olhar-me nas vísceras, sangue, osso e carne, através dos olhos do cérebro e do coração, sentindo com a premência da lucidez, o território que sou e que quero percorrer.

Aconteceu entretanto uma malfadada pandemia. Aproveitei o abrandamento do Mundo, a querida suspensão. Escutei-me, perscrutei-me, percorri-me de lés-a-lés. Embrenhei-me nas minha próprias perguntas: Para que existimos? Para que queremos existir? O que posso e quero fazer que me (e)leve além de mim própria e me aproxime sempre dos outros? Afinal, o que teria eu para acrescentar à vida dos outros e como poderia fazê-lo?

Pareceu-me perceber, a certa altura, a importância de procurar trabalhar num cenário que contivesse as seguintes premissas gerais:

  • a de sempre 1: sentir paixão e acreditar no que faço;

  • a de sempre 2: trabalhar mais com pessoas e menos com máquinas, em algo que faça sentido para elas e para mim;

  • participar no desenvolvimento/transformação de indivíduos e colectivos;

  • conseguir um equilíbrio entre as várias dimensões da minha vida;

  • contribuir maximamente com as minhas qualidades, competências, conhecimento e experiência, para o desenvolvimento de novos projectos com os quais possa querer envolver-me;

  • integrar um contexto de relações profissionais estruturadas em torno de: aprendizagem mútua, cumplicidade, delicadeza, compreensão, tolerância, empatia, coerência, energia, poesia, cooperação, verdade.

Work can and should be a place for passion, growth, and meaning. A place where you can develop your skills and talents and contribute to something you truly believe in.
— Corporate Rebels

 E que cenário seria esse?

Ocorreram-me duas ou três hipóteses que poderiam abarcar tudo o que acabo de escrever e que valeria muito a pena explorar, mas houve uma que sobressaiu, talvez por andar a sobrevoar-me há algum tempo: fazer uma formação em coaching!

Após uma série de incursões virtuais em busca de empresas lusitanas com oferta de formação certificada nessa área, eis senão quando descubro a Way Beyond... Mergulhei uma e outra vez na sua página, explorei-a, deleitada, de fio a pavio, pensando algo incrédula: “É exactamente isto e não poderia ser melhor! Ainda por cima não é só coaching, é muitas coisas, é as coisas todas!”.

Daí até estar a seguir o desafio que descobri numa das páginas: “vamos conversar?”, foi um instantinho! E depois sucederam-se algumas longas e muito boas trocas de ideias, durante as quais eu e a Way Beyond nos fomos conhecendo um bocadinho melhor e que desaguaram na minha frequência das classes de WBCC Introdutório e Avançado... 

Desafiada, a dado momento durante esse marcante percurso, a imaginar-me num futuro mais ou menos próximo, vislumbrei-me envolvida em projectos de formação / facilitação / capacitação / mentoria, cuja matriz seriam processos colaborativos e participativos de transformação e desenvolvimento individual e colectivo. Tudo isto, num formidável e sereno equilibrismo-equilíbrio de interdependência funcional, criativa e construtiva.

Nesse mesmo futuro, de vez em quando planearia uma viagem para um lugar mais longínquo do que o habitual, para voltar a experimentar o espanto, abrir ainda mais os olhos perante novas e velhas novidades, coleccionar beleza, acrescentar conhecimento sobre os outros e sobre as coisas e voltar a olhar-me de um distinto posto de observação, acrescentando também conhecimento sobre mim... Continuaria a encantar-me tanto com o sol como com a chuva e a acreditar na possibilidade de todas as flores. Seguiria apaixonada pela vida. Querendo ir sempre mais além. Sem pressa. Nem medo. Com os olhos brilhantes de entusiasmo. Nunca perdendo de vista a minha substância.

E não é que parte do meu vislumbre se materializou? Só falta a viagem ao tal lugar longínquo, no sentido literal!

Para me encontrar onde estou, passei por várias situações de impasse e escolhas complexas, envolvendo decisões que me colocariam em cenários de vida quase antagónicos, sendo que alguns deles perpetuariam modelos, para mim, algo aprisionantes, nos quais eu não queria permanecer, e outros me permitiriam prosseguir a minha busca de maior liberdade e autonomia, rumo a lugares onde eu me sentiria simultaneamente estimulada e estimulante, em contínuas e múltiplas aprendizagens, preferencialmente inspirada pelas dimensões do pensamento filosófico e da linguagem, em torno da produção, renovação e partilha de conhecimento. Sempre com tempo para pensar. E também para não pensar.

Ao longo do último ano, esse lugar foi, mui afortunadamente, a Way Beyond.

Aqui, entre inúmeras outras preciosidades, percebi a importância de provocar o acordar da consciência e da reflexão face ao que se quer e pode mudar, partindo invariavelmente da intenção com que o fazemos.

Sobretudo, reaprendi que, tal como na música, há que ouvir antes de falar, controlando o impulso de abalroar uma clave de sol. Que é como quem diz, o outro. Antes, descobri-lo, encontrá-lo, acolhê-lo. E vice-versa. E versa-vice. Construindo assim, quiçá, o princípio de uma sinfonia. Que é como quem diz, de uma conversa.

E há lá coisa mais bonita e transformadora do que uma boa conversa?

*esta ideia de lugar dispensa inteiramente qualquer associação com o conceito de fronteiras territoriais

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