Um lugar* chamado Way Beyond ou O que eu andei para aqui chegar
Desde que me lembro de (ser convidada a) pensar no futuro das coisas e das criaturas, rondaria a maioridade, mas andava, como ando ainda, longe das maiorias, a resposta, creio que nunca verbalizada, mas vagueando-me pelo pensamento, sempre que era atingida pela curiosidade alheia, em forma de “o que queres ser quando fores grande?” era, sem pestanejar, “muitas coisas!”.
Alguns anos mais tarde, por altura de começar a tomar decisões sérias sobre caminhos de vida, profissionais e não só, dei por mim a sentir-me antecipadamente feliz com o “refinamento” do meu retorquir, que passou a ser, nessa altura já saltando da minha cabeça para algumas, escassas, conversas: “quero fazer coisas bonitas que mudem a vida das pessoas”.
Acabei por percorrer diversos caminhos, ao longo dos quais aprendi muito com as coisas bonitas que os outros me foram dando a respirar. E acredito que uma mão cheia de gente terá recebido de mim beleza e importância no agir, que algo terá semeado nos seus dias.
Em dado momento do meu já longo périplo, o meu próprio desejo de “mudar de vida” começou a revelar-se, devagarinho, por vezes, talvez, sem eu lhe dar a devida atenção; penso que a primeira vez que o segredei ao meu ouvido terá acontecido, curiosamente ou não, após a minha vinda para Coimbra, aliás, o meu regresso à cidade onde nasci, 27 anos após a primeira vez que levantei âncora do Mondego e levei a minha biografia a navegar noutras margens.
Sentia que a minha existência começava a esvaziar-se de mim mesma e o regresso às origens injectou-me uma poderosa e irreprimível urgência em fazer alguma coisa, para não deixar de ser quem sou.
Desejei muito parar. Descansar. Parar para descansar. E quieta, em repouso de alma e corpo, respirar o mundo lá fora e cá dentro e pensar, pensar muito, pensar bem, no que daí em diante gostaria e poderia fazer com o meu património interior. Desejei suspender o mundo e, com vagar, fazer a escuta de mim mesma e olhar-me nas vísceras, sangue, osso e carne, através dos olhos do cérebro e do coração, sentindo com a premência da lucidez, o território que sou e que quero percorrer.
Aconteceu entretanto uma malfadada pandemia. Aproveitei o abrandamento do Mundo, a querida suspensão. Escutei-me, perscrutei-me, percorri-me de lés-a-lés. Embrenhei-me nas minha próprias perguntas: Para que existimos? Para que queremos existir? O que posso e quero fazer que me (e)leve além de mim própria e me aproxime sempre dos outros? Afinal, o que teria eu para acrescentar à vida dos outros e como poderia fazê-lo?
Pareceu-me perceber, a certa altura, a importância de procurar trabalhar num cenário que contivesse as seguintes premissas gerais:
a de sempre 1: sentir paixão e acreditar no que faço;
a de sempre 2: trabalhar mais com pessoas e menos com máquinas, em algo que faça sentido para elas e para mim;
participar no desenvolvimento/transformação de indivíduos e colectivos;
conseguir um equilíbrio entre as várias dimensões da minha vida;
contribuir maximamente com as minhas qualidades, competências, conhecimento e experiência, para o desenvolvimento de novos projectos com os quais possa querer envolver-me;
integrar um contexto de relações profissionais estruturadas em torno de: aprendizagem mútua, cumplicidade, delicadeza, compreensão, tolerância, empatia, coerência, energia, poesia, cooperação, verdade.
E que cenário seria esse?
Ocorreram-me duas ou três hipóteses que poderiam abarcar tudo o que acabo de escrever e que valeria muito a pena explorar, mas houve uma que sobressaiu, talvez por andar a sobrevoar-me há algum tempo: fazer uma formação em coaching!
Após uma série de incursões virtuais em busca de empresas lusitanas com oferta de formação certificada nessa área, eis senão quando descubro a Way Beyond... Mergulhei uma e outra vez na sua página, explorei-a, deleitada, de fio a pavio, pensando algo incrédula: “É exactamente isto e não poderia ser melhor! Ainda por cima não é só coaching, é muitas coisas, é as coisas todas!”.
Daí até estar a seguir o desafio que descobri numa das páginas: “vamos conversar?”, foi um instantinho! E depois sucederam-se algumas longas e muito boas trocas de ideias, durante as quais eu e a Way Beyond nos fomos conhecendo um bocadinho melhor e que desaguaram na minha frequência das classes de WBCC Introdutório e Avançado...
Desafiada, a dado momento durante esse marcante percurso, a imaginar-me num futuro mais ou menos próximo, vislumbrei-me envolvida em projectos de formação / facilitação / capacitação / mentoria, cuja matriz seriam processos colaborativos e participativos de transformação e desenvolvimento individual e colectivo. Tudo isto, num formidável e sereno equilibrismo-equilíbrio de interdependência funcional, criativa e construtiva.
Nesse mesmo futuro, de vez em quando planearia uma viagem para um lugar mais longínquo do que o habitual, para voltar a experimentar o espanto, abrir ainda mais os olhos perante novas e velhas novidades, coleccionar beleza, acrescentar conhecimento sobre os outros e sobre as coisas e voltar a olhar-me de um distinto posto de observação, acrescentando também conhecimento sobre mim... Continuaria a encantar-me tanto com o sol como com a chuva e a acreditar na possibilidade de todas as flores. Seguiria apaixonada pela vida. Querendo ir sempre mais além. Sem pressa. Nem medo. Com os olhos brilhantes de entusiasmo. Nunca perdendo de vista a minha substância.
E não é que parte do meu vislumbre se materializou? Só falta a viagem ao tal lugar longínquo, no sentido literal!
Para me encontrar onde estou, passei por várias situações de impasse e escolhas complexas, envolvendo decisões que me colocariam em cenários de vida quase antagónicos, sendo que alguns deles perpetuariam modelos, para mim, algo aprisionantes, nos quais eu não queria permanecer, e outros me permitiriam prosseguir a minha busca de maior liberdade e autonomia, rumo a lugares onde eu me sentiria simultaneamente estimulada e estimulante, em contínuas e múltiplas aprendizagens, preferencialmente inspirada pelas dimensões do pensamento filosófico e da linguagem, em torno da produção, renovação e partilha de conhecimento. Sempre com tempo para pensar. E também para não pensar.
Ao longo do último ano, esse lugar foi, mui afortunadamente, a Way Beyond.
Aqui, entre inúmeras outras preciosidades, percebi a importância de provocar o acordar da consciência e da reflexão face ao que se quer e pode mudar, partindo invariavelmente da intenção com que o fazemos.
Sobretudo, reaprendi que, tal como na música, há que ouvir antes de falar, controlando o impulso de abalroar uma clave de sol. Que é como quem diz, o outro. Antes, descobri-lo, encontrá-lo, acolhê-lo. E vice-versa. E versa-vice. Construindo assim, quiçá, o princípio de uma sinfonia. Que é como quem diz, de uma conversa.
E há lá coisa mais bonita e transformadora do que uma boa conversa?
*esta ideia de lugar dispensa inteiramente qualquer associação com o conceito de fronteiras territoriais