Inteligência Artificial e Natural

Este ano, cujo fim se aproxima, tem sido marcado por uma expressão e pela sigla correspondente. Inteligência artificial ou IA têm sido regularmente incluídas em títulos de peças noticiosas, artigos de opinião, escritos científicos e académicos, nacionais e internacionais, tanto em publicações de especialidade como nas generalistas. Parece ser evidente que é um tema que desperta reacções intensas, alternando entre a histeria ou o entusiasmo, uma versão mais moderada e saudável da primeira, e a preocupação ou até o medo.

Eu próprio reconheço sentir-me ambivalente em relação ao assunto. Contudo, tenho procurado normalizar o que sinto e o que penso porque, no final de contas, há algum tempo que estamos rodeados desse tipo de inteligência: teclados que “adivinham” o que queremos escrever; motores de busca que sabem o que queremos procurar; sugestões de resposta a e-mails que foram encontradas antes de os termos lido; o nosso telefone que “sabe” para onde vamos a seguir; carros que nos avisam se estamos para lá do limite de velocidade ou das linhas que delimitam uma faixa de rodagem e que já conseguem conduzir-nos praticamente sem a nossa intervenção. Estes são apenas alguns exemplos entre muitos outros presentes no nosso quotidiano. A IA está inevitavelmente entre nós há muito mais tempo do que tendemos a reconhecer e, de facto, as evoluções mais recentes e as perspectivas de avanços significativos a curto prazo parecem ter-lhe dado um maior fulgor e uma grande visibilidade.

Como em relação a muitos outros temas, a ficção científica tem-nos permitido antever diversos cenários possíveis onde os efeitos, perigos e vantagens da IA são explorados de forma segura. Basta trazer à memória obras como “2001: Odisseia no Espaço”, a saga de filmes “Exterminador Implacável”, os “Matrix” ou o “Her: Uma História de Amor”, para referir apenas alguns. Há algo comum em todas estas obras de cinema e em muitas outras na literatura: a inteligência artificial procura destruir ou substituir a inteligência natural, ou pelo menos a inteligência humana. Nessas obras as máquinas inteligentes apercebem-se da imperfeição, da imprevisibilidade e da propensão para as falhas causadas pelas pessoas e, procurando eliminar esses factores, chegam à conclusão que o melhor será eliminar os próprios humanos ou de os reduzir a uma condição sub-humana. Não deixa de ser paradoxal que algo que não se encontra no mundo natural e apenas existe porque é criado por humanos – uma definição possível de artificial – possa chegar a uma conclusão dessas. No fundo, chegamos ao velho e conhecido complexo em que o criado suplanta e aniquila o criador.

O tema e as suas implicações são vastas e podem ser facilmente associadas ao mundo do trabalho. Já são difíceis de contabilizar as profissões e actividades em que a intervenção humana deixou de ser necessária ou perdeu relevância de forma significativa devido à cada vez mais evoluída e sofisticada inteligência das máquinas que criamos. Acredita-se que a tendência manterá a evolução nesse sentido e a lista de pessoas e tarefas que serão substituídas por “máquinas inteligentes” não pára de aumentar. Felizmente que muita da melhor inteligência humana tem sido empregue com o intuito de antever e de propor vias alternativas para desafios que já existem e para outros que ainda não fazem parte da realidade.

É importante não esquecer que tudo o que é artificial, incluindo a inteligência, é resultante das capacidades inventiva e criativa da nossa espécie. É essencial lembrar que de todos os habitantes do nosso planeta somos os que que mais têm alterado e mais continuaremos a provocar mudanças na Natureza. Talvez seja por sabermos que assim somos, mesmo que por vezes não queiramos saber, que sentimos medo em relação à IA. Acredito que, no fundo, esse medo é em relação a nós próprios, à nossa própria natureza que, apesar de todas as mudanças, não tem mudado assim tanto.

Por tudo isto, tenho a convicção de estarmos a viver uma época que nos apresenta uma oportunidade única para nos aproximarmos da nossa natureza; para recuperarmos e descobrirmos melhores formas de nos relacionarmos uns com os outros, com o que nos rodeia e com o mundo que nos contém. Porventura, não será com as máquinas que criamos que nos teremos de enfrentar, até porque, para já, as conseguimos desligar…

Escrito para o Link to Leaders em 20 de Outubro de 2017

João Sevilhano

Partner, Strategy & Innovation @ Way Beyond.

https://joaosevilhano.medium.com/
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